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domingo, 16 de dezembro de 2012

POR QUE, NO CAMPO, OS ALUNOS ESTUDAM TÃO LONGE DE CASA?



Cada vez mais crianças são transportadas por longas distâncias devido ao fechamento de quase 41 mil escolas rurais entre 2000 e 2011.

Coxixola vive isto?

Elisângela Fernandes
Crianças de escola rural em Mocajuba, no Pará. Foto: Daniel Araújo

As crianças da foto acima têm entre 5 e 7 anos de idade. Diariamente, elas acordam antes das 6 horas, pegam um barco na comunidade ribeirinha de São Joaquim e seguem até Santana, também em Mocajuba, a 250 quilômetros de Belém. Com o fechamento da EM Maria Raimunda Leão, o percurso para chegar à escola passou a ser quatro vezes maior para algumas delas. Deslocamentos como os que enfrentam são cada vez mais comuns no Brasil, já que 40.935 estabelecimentos de ensino da zona rural deixaram de funcionar entre 2000 e 2011, uma diminuição de 35% segundo o Censo Escolar.
Em qualquer canto do país, todos têm o direito de estudar perto de casa. Essa determinação consta do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e de um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE). Os documentos determinam que a frequência à Educação Infantil ocorra na mesma comunidade em que a criança mora e que, excepcionalmente, alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental sejam atendidos em instituições nucleadas - que recebem estudantes de diferentes localidades -, mas todos devem ser mantidos no contexto rural. Cabe às redes determinar o tempo máximo de transporte. Oscar Barros, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), ressalta que em alguns casos a nucleação pode ser uma boa saída. "Desde que o deslocamento não seja grande demais, ela é positiva se permite o acesso a uma infraestrutura melhor", diz.

Cleuza Repulho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), lembra que é comum as redes pensarem que o transporte é mais barato que garantir boas condições de ensino, mas isso é uma ilusão. "Na prática, o que vemos é um sistema precário, que coloca os estudantes em risco e muitas vezes não funciona, obrigando muitos deles a faltar." Por razões como essas, a taxa de abandono no Ensino Fundamental é de 4,2% na zona rural e de 2,9% na urbana.

Outro complicador é a falta de regras claras. Apenas neste ano, o Ministério da Educação (MEC) propôs o Projeto de Lei 3.534 para frear esse processo. Ainda em tramitação, o texto indica que os conselhos municipais e estaduais de Educação sejam ouvidos antes da decisão pelo fechamento de escolas. Enquanto as orientações não vêm, a nucleação prejudica crianças de municípios como Mocajuba e Aliança, a 82 quilômetros de Recife. E outros locais, como Santo Antônio de Leverger, a 34 quilômetros de Cuiabá, buscam alternativas para evitar esse cenário.
População se mobiliza no Pará. O embate dos moradores de Mocajuba com a Secretaria Municipal de Educação começou com o fechamento da EM Maria Raimunda Leão. Construída pelos moradores para substituir a escola que funcionava na casa de uma docente, ela nem chegou a ser usada. Apesar da mobilização local, 32 crianças foram transferidas para a EMEIF Senador Raimundo Henrique Barroso Vergolino. Inaugurada em 2011, ela possui uma estrutura bem semelhante à instituição em que elas estudavam.
Diante da falta de ação da Secretaria, o Ministério Público Estadual foi acionado e solicitou um estudo à UFPA. O resultado do levantamento indicou que o mais adequado seria a reabertura da escola, o que foi discutido em uma audiência pública. Ficou combinado com a prefeitura o retorno das aulas à comunidade, mas até o fechamento desta edição isso não havia ocorrido. Procurada pela reportagem para esclarecer tais fatos, a Secretaria Municipal da Educação não retornou as ligações.
Enquanto o imbróglio continua, moradores como Belizia Campêlo Miranda Cardoso - mãe de Dorivaldo Campêlo Cardoso, 8 anos, e Dinei Campêlo Cardoso, 12 - reclamam da distância e do barco escolar. "É perigoso e nem sempre há coletes salva-vidas. Eles são pequenos e ficam muito cansados", desabafa.
Trabalhadores e alunos juntos no ônibus na cidade de Aliança. Em Aliança, a pequena Wulmara da Silva Barbosa, 7 anos, sente as consequências do fechamento da EM José Vicente Cesar. Seu irmão, Epitácio Francisco Neto, 16, concluiu os estudos nessa escola, que fica no engenho em que moram, mas ela não teve essa oportunidade. Terezinha Faustino da Silva, avó deles, conta que o ônibus pega a menina às 5h40, mas ela só chega à classe às 7h. O tempo para ir e voltar é quase o mesmo que ela passa estudando. O ônibus escolar também é usado pelos trabalhadores da região e a estrada que corta a plantação de cana-de-açúcar está em condições bem ruins. O veículo quebra muito e as chuvas deixam o caminho intransitável. A viagem até a escola maior garante o acesso a quadra, biblioteca e outros recursos a mais que as salas dos engenhos - fechadas quando a usina deixou de funcionar e interrompeu o investimento que fazia nas comunidades -, mas gera desgaste e muitas faltas.
Questionada sobre a reabertura dessas unidades, a Secretaria Municipal de Educação diz que isso não é uma possibilidade. Para o órgão, são poucos os alunos que passam muito tempo no transporte. "Um grande número de pessoas está de mudança para a sede do distrito", diz o secretário Zenildo da Silva Pereira.
Parceria aproxima a escola dos estudantes no Mato Grosso. No caminho inverso ao da nucleação, a parceria entre a Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso e o município de Santo Antônio de Leverger busca atender os alunos em suas próprias comunidades. Exemplo disso é o trabalho realizado pela EE Nagib Saad, que aproveita salas ociosas de escolas municipais para oferecer os anos finais do Ensino Fundamental e a Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Até 2007, a instituição estadual recebia estudantes de áreas próximas, mas alguns ficavam até oito horas no trajeto de ida e volta. Para contornar o problema, no ano seguinte foram abertas três salas, chamadas de anexas. Em vez de os alunos irem à sede do distrito, são os professores que vão às comunidades.
Embora admita dificuldades em relação à infraestrutura, o docente Aristides Evaristo Kaiser orgulha-se da iniciativa. "Além de dar aulas de Geografia na sede, sou alfabetizador na sala da comunidade Moquém. Essa era uma reivindicação antiga e trabalhamos muito para dar certo", conta. O transporte dos docentes é oferecido pela Secretaria Municipal. E, uma vez por mês, outro veículo, cedido pelo estado, leva os alunos à sede para usar a internet e a biblioteca.
Aos 42 anos, Manoel Neirton de Oliveira frequenta a EJA e concluiu o 4º ano do Ensino Fundamental na sede do distrito. Ele considera que o dia mais feliz da sua vida foi quando soube que poderia estudar o 5º ano no Moquém, onde mora. "Fiquei emocionado porque finalmente eu teria aulas perto de casa e outras pessoas também teriam acesso à escola", diz.
Depoimentos como o de Oliveira ajudam a entender por que os moradores do campo precisam de uma escola em sua comunidade. É dever do Estado garantir que todas as crianças, os jovens e até os adultos tenham direito a uma Educação de qualidade, independentemente de onde residam, e com respeito às características do local em que estão inseridos.
Publicado em NOVA ESCOLA Edição 257, Novembro de 2012. Título original: Por que eles estudam tão longe?
 

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